31.3.03

Coca-cola e sangue (2)

Emerson Gasperin

Também tenho uma lembrança de Coca-cola e sangue.

Houve um tempo em que a maior embalagem de Coca-cola era a de 1 litro. Vinha numa garrafa de vidro grosso, com tampinha que precisava de um abridor para ser removida. Foi subindo as escadas do prédio em que morava com uma dessas na mão que escorreguei e caí. A cicatriz do corte, que quase amputou meu dedo médio, persiste até hoje. Acidentes à parte, o fato é que o litrão era suficiente para a família inteira. Feita a refeição, todo mundo tomava o seu copinho e arrotava satisfeito. Conforme a promoção, ainda se guardava a tampinha ("caquinho") para completar o Bingola Disney. Mas mudaram o nosso hábito - e tentar entender quando, por quê e como isso aconteceu é o enigma que desafia as Novas Gerações.

Se a memória não falha, surgiu a embalagem de 1,25 litro, ainda de vidro. Depois veio o mundo maravilhoso das pets: 600 mls, 2 litros e o litrão unitário. O vidro sumiu (que maravilha é achar bares que insistem em vender garrafinhas de 282 mls), os filhos não cortaram mais os dedos. O abridor, coitado, caiu no ostracismo, bem como simpatias para que o gás do resto que ia parar na geladeira não escapasse (lá em casa, a mania era colocar uma colherzinha no gargalo). Bastaria desatarraxar a tampinha para liberar o acesso àquele rio preto e melado. Com o desejo saciado, o freguês enroscaria a tampinha novamente e garantiria futuros copos gaseificados para escoar a digestão.

Pois o futuro chegou e o mais intrigante nem é que a tal novidade tecnológica continua deixando o gás escapar. A questão é: por que antes o litrão dava para pai, mãe e três fihos, e hoje dois litros são poucos para uma refeição de um simples casal? É um plano da Coca para dominar a Terra. Como qualquer candidato a revolucionário deve saber, a água é o petróleo do século 21. Estudos afirmam que o planeta tem reservas suficientes para durar até 2023. E, pouco a pouco, a multinacional dos refrigerantes estaria adquirindo os mananciais existentes.

A idéia é que,quando a água faltar, o líquido que a gente vai querer beber para matar a sede será Coca-cola. O terrorismo midiático acerca do iminente esgotamento das reservas potáveis é patrocinado pela própria Coca-cola, ávida para colocar sua estratégia em prática. Em resumo, ficaremos todos dependentes da bebida, se não pelo seu sabor, por ser a única opção no mercado e por, inconscientemente, estarem nos obrigando a tomar quantidades crescentes para atingir a satisfação. Pode ver, já tem até uma embalagem de 2,5 litros.

O cenário é assustador. Pessoas necessitando de Coca-cola em doses cavalares, e a companhia lançando embalagens maiores. Chegará um ponto em que a imagem de senhoras pelas ruas arrastando garrafões pretos de 20 litros (também pet) vai se transformar em corriqueira. Uma geração marcada por problemas estomacais e, pelo esforço em transportar os "contêineres" de Coca para suas casas, por lesões irreversíveis na coluna.

O problema do gás que escapa, esse continua insolúvel - mas toda vez que olho para a cicatriz que enfeia minha mão, lembro quanto o colonialismo pode ser perigoso...

(por Emerson Gasperin)

28.3.03

Coca-cola e sangue
Josemar Sehnen, sobre o boicote à coca-cola:

Eu tiro de letra esse lance de eliminar a coca-cola do cardápio. Pra mim, Coca-cola e sangue, sempre estiveram relacionados. A vida não era fácil quando pequeno lá em São Carlos. Pra ter presunto no café da manhã levou um tempo. Iogurte e outras guloseimas só eventualmente e o delicioso liquido preto só em dias especiais. E aquele domingo era um deles: visita de parente, primos, brincadeiras e churrasco. Já na mesa, todos apostos, papai, do alto do seu poder de decisão disse:
- nego, vai lá no Simon e compra refrigerante.
Já saia correndo com a cabeça borbulhando feito uma garrafa de coca-cola recém aberta, quando ouço atraz de mim:
- dois litros...
Nossa, aquilo...como direi... foi música para meus ouvidos. No caminho, esfuziante e saltitante quase rolei as escadas como que num prenúncio.
Domingo, meio dia, venda fechada. Nada, no entanto, me impediria de levar pra casa aqueles DOIS litros de coca-cola. Nem mesmo o mal humor característico do seu Simon, o dono da venda. Articulado, gritei o nome da filha dele, que tinha a minha idade e com quem brincava nas intermináveis tardes de domingo. Quem apareceu, porém, foi corpulento pai da garota mastigando o almoço.
- Dois litros de coca, disse convicto, sem esperar manifestação do, naquele momento, assustador "seu Simon". Diante da minha convicção, não teve alternativa senão trazer os dois litros geladinhos. água na boca. Abracei as garrafas e disparei. E correndo tudo subi as escadas, um, dois, três, quatro degraus. Do quinto não passei.
Coca-cola e sangue.
(By Josema)

20.3.03

"Talvez amanhã aconteça de pararmos na rua para amarrar os cadarços
Ou quem sabe chova e o guarda-chuva esteja em casa
Agora mesmo Amanda me pediu pra ver Alice no país das Maravilhas
Eu resisti: queria ver as notícias de uma guerra que já me contam há meses
Da qual já se sabe o número de possíveis mortos e vivos
E de mortos-vivos
Mundo das Sete Maravilhas
Amanda está vendo Alice, em seguida deve dormir
Amanhã talvez a guerra já estará em seu primeiro dia
Amanda vai pra escola cedo
Espero não esquecer o guarda-chuvas, nem cair por conta dos sapatos"

Adri


(por Adriane Canan)