A verdadeira profissão mais velha do mundo
Zé Dassilva
Muitas inverdades têm sido contadas sobre a origem da humanidade. Uma delas é aquela conversa de que a profissão mais velha do mundo é a... você sabe... aquela em que... ah, a prostituição! Pronto, falei.
* * *
Mas algum escavador já descobriu um esqueleto de mulher com 15 mil anos, rodando uma bolsinha de pterodátilo? E alguém achou uma nota de dinheiro – ou um punhado de sal, vá lá – junto da ossada de alguma prostituta das cavernas? Se não tem indícios científicos, então é tudo difamação! Na aurora da humanidade, a mulher levava uma cacetada na cabeça e era arrastada pelo pretendente. E pra quê isso? Pra, milhares de anos depois, ser chamada de... bem, você sabe. E, se somos todos descendentes daquelas senhoras, então seríamos todos filhos da... Ah, não podemos continuar acreditando nisso!
* * *
Na verdade, desenhista é a profissão mais velha do mundo! E isso ninguém pode negar, pois ficou registrado. Poucas pessoas sabem desenhar hoje, e naquela época não devia ser muito diferente. Era mais ou menos assim: na caverna, à noite, o desenhista reunia a platéia para reconstituir a grande caçada. Ele tinha o privilégio de não caçar: apenas acompanhava a missão a fim de registrar tudo – e com crachá de imprensa, é bem possível.
* * *
Para animar o banquete, o artista desenhava a cena na parede da caverna. As pinturas rupestres garantiam a ele aplausos e a primeira remuneração da história da humanidade. O desenhista saía de lá com um pedaço de mamute assado, que mal dava para carregar. Era preciso achar alguém, nem que fosse um “alguém” momentâneo, para dividir aquela riqueza. Foi aí que nasceu a prostituição.
(por Zé Dassilva)
21.12.02
19.12.02
O jovem, a camiseta e o hippie neoliberal
Emerson Gasperin
(texto publicado em 9 de janeiro de 2001)
Um dos poucos integrantes do elenco fixo dessa coluna é Zé Dassilva. Com seu talento, tramou uma rede de fontes de renda para desfrutar Florianópolis na plenitude. Chargista, roteirista e, para quebrar a lista de "istas", escritor, ele abana um leque de opções na hora de arrancar o dinheiro do freguês. É um bon vivant, ainda que isso tenha lhe custado algumas pregas. E ainda mora com os pais, o paxá. Nasceu no dia 31 de dezembro e, quando ouviu todos aqueles fogos, achou que estavam celebrando sua chegada à Terra. Repetindo piadas surradas como essa e manejando com habilidade os diferentes ambientes que freqüenta, Zé Dassilva consegue gozar de razoável destaque na imprensa catarinense. Um bom sujeito, capaz de ações filantrópicas sem cunho promocional.
Como não pôde reclamar do ano que passou, Zé decidiu comemorar seu aniversário em grande estilo. Juntou-se a dois chapas que também sopravam velinhas por perto, Rubinho e Josemar, e alugou uma escuna para festejar data tão significativa. A saída seria de um trapiche no meio da Beira-Mar. Cerca de 40 convidados, bebida e sons que variavam dos populares Red Hot Chili Peppers a particularidades criciumenses como uma coletânea do Rush. Era quase meia-noite quando os três anfitriões decidiram zarpar.
Velhos amigos, alguns casados com amigas, todo mundo amigo. Todo mundo rindo e fofocando sem falar de lembranças ou tentando evocar um tempo que já foi. Pela primeira vez, as reminiscências não dominavam o papo. No máximo, um "como está a fulana?" seguido de "hi, casou, tem um filhinho, não sabias?" para não negar o passado. Depois de quase dez anos assimilando o golpe que a maturidade representou, era hora de olhar para frente, comentar política, contar como vive, enfim, essas coisas que a gente descamba a fazer a partir do momento que as condições de financiamento da Caixa Econômica Federal tornam-se mais importantes do que a volta do Cult.
Mas não deixava de ser um bom presságio. A idade adulta chegou e nem doeu. Agora somos todos homenzinhos, que declaram Imposto de Renda, pagam prestrações e planejam. Ostentamos um dinheiro que nunca tivemos antes e nos consideramos mais inteligentes e sofisticados. Até as roupas mudaram. Já estava quase me achando um vencedor quando tocou o celular do Zé. Era o Mutley, que havia se atrasado e perdido a barca, dizendo que esperava no trapice. Detalhe 1: o passeio atingia seu ápice, a poucos metros da ponte Hercílio Luz, toda iluminada para os festejos de fim de ano - e para celebrar o nascimento do Zé, tolinho. Detalhe 2: Mutley mora no prédio em frente ao lugar que a escuna estava atracada.
A escuna, célere, aproximava-se da ponte. A lua, depois de um início de noite encoberta pela chuva, insinuava-se pelos lados do sul da Ilha. Sammy Davis Jr. (onde é que o Zé foi arrumar isso?) saía dos alto-falantes. A ponte, cada vez mais perto. A lua, cada vez maior. Sammy Davis, cada vez mais alto. A ponte. A lua. Sammy. A ponte. Uma faixa em homenagem ao Guga. Zé quebrou o transe, mostrando que as 27 primaveras e a dinheirada que administra o transformaram em um homem de decisões de impacto. Ordenou a meia-volta.
O comandante atendeu prontamente. Girou todo o timão para a esquerda, como quem dá um cavalo-de-pau. Uôôôôôôôô.... Sem vômitos, pois, tratam-se de adultos. À uma e meia o Mutley não era somente uma silhueta manchando o visual da Beira Mar. Na verdade, desde meados de 2000 que ele não mora mais ali. Ali moram seus pais, pomba! Ele está em São Paulo, desfilando seu senso de humor e causando sensações estranhas no microcosmo alternativo. Ainda espera com mais ansiedade o novo do Teenage Fanclub do que o décimo-terceiro. Alheios ao desfecho dessa comovente polaróide de amor fraternal, casais responsáveis abandonaram o barco. Deles é que iríamos falar mal na segunda parte da viagem.
Ao colocar o pé direito na murada, deu para ver o que está escrito na camiseta rosa de Mutley: "Lésbica." O maior desgosto para um cara que veste algo assim é não despertar comentário. Nada falei. Não precisou, algum desavisado já caiu no truque. Tentei começar o milênio impregnado de vibrações positivas. Com a cabeça infestada de aromas e o pensamento embargado por gesto tão nobre - abortar o ponto alto da festa só para pegar o amigo goiaba - tive a nítida certeza de que preciso voltar para essa cidade e, aqui, realizar minha grande obra. Seja um livro, uma horta ou uma câmara de defumação. Olha a ponte aí de novo.
(por Emerson Gasperin)
Emerson Gasperin
(texto publicado em 9 de janeiro de 2001)
Um dos poucos integrantes do elenco fixo dessa coluna é Zé Dassilva. Com seu talento, tramou uma rede de fontes de renda para desfrutar Florianópolis na plenitude. Chargista, roteirista e, para quebrar a lista de "istas", escritor, ele abana um leque de opções na hora de arrancar o dinheiro do freguês. É um bon vivant, ainda que isso tenha lhe custado algumas pregas. E ainda mora com os pais, o paxá. Nasceu no dia 31 de dezembro e, quando ouviu todos aqueles fogos, achou que estavam celebrando sua chegada à Terra. Repetindo piadas surradas como essa e manejando com habilidade os diferentes ambientes que freqüenta, Zé Dassilva consegue gozar de razoável destaque na imprensa catarinense. Um bom sujeito, capaz de ações filantrópicas sem cunho promocional.
Como não pôde reclamar do ano que passou, Zé decidiu comemorar seu aniversário em grande estilo. Juntou-se a dois chapas que também sopravam velinhas por perto, Rubinho e Josemar, e alugou uma escuna para festejar data tão significativa. A saída seria de um trapiche no meio da Beira-Mar. Cerca de 40 convidados, bebida e sons que variavam dos populares Red Hot Chili Peppers a particularidades criciumenses como uma coletânea do Rush. Era quase meia-noite quando os três anfitriões decidiram zarpar.
Velhos amigos, alguns casados com amigas, todo mundo amigo. Todo mundo rindo e fofocando sem falar de lembranças ou tentando evocar um tempo que já foi. Pela primeira vez, as reminiscências não dominavam o papo. No máximo, um "como está a fulana?" seguido de "hi, casou, tem um filhinho, não sabias?" para não negar o passado. Depois de quase dez anos assimilando o golpe que a maturidade representou, era hora de olhar para frente, comentar política, contar como vive, enfim, essas coisas que a gente descamba a fazer a partir do momento que as condições de financiamento da Caixa Econômica Federal tornam-se mais importantes do que a volta do Cult.
Mas não deixava de ser um bom presságio. A idade adulta chegou e nem doeu. Agora somos todos homenzinhos, que declaram Imposto de Renda, pagam prestrações e planejam. Ostentamos um dinheiro que nunca tivemos antes e nos consideramos mais inteligentes e sofisticados. Até as roupas mudaram. Já estava quase me achando um vencedor quando tocou o celular do Zé. Era o Mutley, que havia se atrasado e perdido a barca, dizendo que esperava no trapice. Detalhe 1: o passeio atingia seu ápice, a poucos metros da ponte Hercílio Luz, toda iluminada para os festejos de fim de ano - e para celebrar o nascimento do Zé, tolinho. Detalhe 2: Mutley mora no prédio em frente ao lugar que a escuna estava atracada.
A escuna, célere, aproximava-se da ponte. A lua, depois de um início de noite encoberta pela chuva, insinuava-se pelos lados do sul da Ilha. Sammy Davis Jr. (onde é que o Zé foi arrumar isso?) saía dos alto-falantes. A ponte, cada vez mais perto. A lua, cada vez maior. Sammy Davis, cada vez mais alto. A ponte. A lua. Sammy. A ponte. Uma faixa em homenagem ao Guga. Zé quebrou o transe, mostrando que as 27 primaveras e a dinheirada que administra o transformaram em um homem de decisões de impacto. Ordenou a meia-volta.
O comandante atendeu prontamente. Girou todo o timão para a esquerda, como quem dá um cavalo-de-pau. Uôôôôôôôô.... Sem vômitos, pois, tratam-se de adultos. À uma e meia o Mutley não era somente uma silhueta manchando o visual da Beira Mar. Na verdade, desde meados de 2000 que ele não mora mais ali. Ali moram seus pais, pomba! Ele está em São Paulo, desfilando seu senso de humor e causando sensações estranhas no microcosmo alternativo. Ainda espera com mais ansiedade o novo do Teenage Fanclub do que o décimo-terceiro. Alheios ao desfecho dessa comovente polaróide de amor fraternal, casais responsáveis abandonaram o barco. Deles é que iríamos falar mal na segunda parte da viagem.
Ao colocar o pé direito na murada, deu para ver o que está escrito na camiseta rosa de Mutley: "Lésbica." O maior desgosto para um cara que veste algo assim é não despertar comentário. Nada falei. Não precisou, algum desavisado já caiu no truque. Tentei começar o milênio impregnado de vibrações positivas. Com a cabeça infestada de aromas e o pensamento embargado por gesto tão nobre - abortar o ponto alto da festa só para pegar o amigo goiaba - tive a nítida certeza de que preciso voltar para essa cidade e, aqui, realizar minha grande obra. Seja um livro, uma horta ou uma câmara de defumação. Olha a ponte aí de novo.
(por Emerson Gasperin)
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