10.9.04

fiambres gasperin

9.7.04

25.6.04

25.5.04

Política externa

9.5.04

Direto do Salão Oval, por Zé Dassilva


19.4.04

Dez microcontos
Por Dauro Veras

Assalto 1: perdeu ganhou
O otário era a cara do seu filho. Toma aí: grana pro ônibus.
~
Assalto 2: perdeu perdeu
O otário parecia seu filho, aquele ingrato. Passou-lhe o rodo.
~
Atraso
Um minuto mais cedo e pegaria o vôo fatídico. Cu pra lua.
~
Destino
Teria sido amor à primeira vista, mas ela dobrou a esquina.
~
Desilusão
Deu-lhe casa, comida, roupa lavada. Nada pediu. Nem ganhou.
~
Para Bandini
Ao ver o carro capotado, o cachorrinho riu. Fim da fuga, pneu.
~
Gato incompreendido
Trouxe uma oferenda - grátis -, mas ela gritou: "Barata!"
~
Reflexivo
Pensou em revidar o tapa, mas perdera o tempo e o espaço.
~
Impulsivo
Revidou o tapa de imediato. Até hoje não sabe se agiu bem.
~
O corno e o segredo desvendado
Abriu a porta em silêncio. Viu, chorou, fez a mala e se foi.
Uniforme de trabalho
Por Diógenes Botelho

O uniforme de trabalho está sempre impecável. Muleta lustrada, bandagem na perna trocada a cada 12 horas, calça jeans arregaçada até o joelho da perna esquerda. Pentinho flamengo sempre no bolso da camisa de flanela e uma caixinha de sapatos, cuidadosamente forrada com papel de presente, pousada na murada. Elias dos Santos, 47 anos, cumpre expediente das 8 às 18 horas na porta do anexo II da Câmara dos Deputados, em Brasília. Seu escritório é emoldurado por uma grande gamela branca, virada de boca para baixo.

Vive de esmolas desde 1981. Desembarcou na capital federal, vindo do Piauí, carregando na trouxa de farinha de puba o sonho de progredir no Planalto Central. Filho do semi-árido nordestino, da seca e dos desmandos dos coronéis, Santos trabalhou como servente, pedreiro e chegou a mestre de obras. No dia 17 de setembro de 1995 uma laje caiu sobre sua perna, amputando os sonhos de futuro melhor para os seis filhos com dona Jacira, uma cabloca miudinha de Picos.

O tilintar de moedas é escasso na caixinha, notas muito raras. Por dia, em "dias bons", tira no máximo R$ 10. "Quem mais dá é quem não usa gravata e doa o troco do ônibus", conta o sertanejo que esbarra diariamente com políticos famosos e estrelas da mídia. Mas não reclama da vida. Construiu uma casinha em Planaltina e um dos filhos, Brasilino, vai fazer vestibular esse ano. "Quero que ele vire doutô, que use gravata e que dê pelo menos uma muedinha pra quem precisa".

12.4.04

(em construção)
Por Nilva Bianco

Só porque lhe sorri
Dia desses uma senhora me olhou
como se eu fosse um anjo
Anjo, eu?!
Se fosse, teria que lavar com creolina
Minhas asas negras de poluição,
Se fosse, seria estraçalhado pelos helicópteros
no céu da cidade.
Se fosse anjo,
Teria que acudir meninos atordoados,
consolar mendigos e desvalidos,
amparar velhos de barbas sujas.
Guiá-los até o juízo final.
Sofrer com a dor alheia.
Amar incondicionalmente.
Dia desses uma senhora me olhou
como se eu fosse um anjo
Anjo, eu?
Não, foi só distração.
Campos Elíseos
Por Nilva Bianco


Na avenida,
Manhãzinha ainda,
desfile de tipos:
estoquistas, balconistas, analistas
a caminho da lida.
Meninas saídas dos inferninhos
precisam dormir,
exauridas de strip-teases,
uísque de quinta
e rapidinhas que aliviam
o holerith dos imbecis.
As marquises
viram abrigos de famílias
e meninos encardidos.
A pinga é antídoto pro frio,
pãozinho dormido
alivia a barriga vazia,
mijo se infiltra no piche da avenida.
Nas padarias,
dobradinha a cinco pila
e azia de brinde pro dia.
Na esquina, polícia e trafica
dividem o ilícito,
barraquinhas comerciam porcarias,
travestis desfilam seu fastio.
Nos cortiços carcomidos,
famílias compartilham clandestinas
seus dias perdidos.
Nas partidas de quinta, destino Piauí,
O sorriso doído do nordestino
que foi cuspido pela big city.
Manhãzinha, avenida sumindo de vista.

7.4.04

A vantagem é que dura apenas uma semana
Por Emerson Gasperin

Assim como existe a Fashion Week, o Ano Internacional do Idoso, o Mês da Desgraça e o Dia da Mentira, há a Semana Caetano Veloso. É o período que cerca o lançamento de um novo disco do artista, quando todas as mídias unem-se para ouvir o que o semi-deus de Santo Amaro da Purificação tem a dizer ao Brasil, ao mundo e, conforme a disposição da divindade, até ao planeta Sedna. Em intervalos irregulares - a última edição ocorrera em 2002 -, a realização do evento mobiliza veículos das mais variadas tendências políticas, religiosas e sexuais. O Caso Waldomiro, a dieta de Beverly Hills, o meio-campo do Flamengo, o vencedor do Big Brother, a descoberta da cura para a gota; nada escapa da opinião panorâmica do autodenominado “Velosão” (sic).

Engrossando o coro dos bafejados pela sapiência tropicalista, é seu recente trabalho - A Foreign Sound, composto por regravações de standards norte-americanos - que vai preencher as linhas de hoje. Em 23 faixas, Caetano Veloso visita clássicos de Irving Berlin, George Gershwin, Cole Porter, Duke Ellington, Stevie Wonder, Paul Anka, Bob Dylan e Elvis Presley, entre outros. Trata-se do tipo de empreitada que nem é necessário escutar para perceber que deve ser genial. Afinal, reúne clássicos que venceram as restrições do tempo cantadas pela voz que desafiou todas as convenções poéticas ao rimar “eta, eta, eta” com “Tieta”. Os arranjos? Ah, ninguém liga para isso. Mas, se ligasse, também constataria que são impecáveis, alternando-se entre a reverência pura e simples ao original e a rebeldia iconoclasta do mais famoso intérprete de Peninha.

Feita a descrição do produto, saltam ao estômago duas releituras. Uma, “Feelings”, é abordada de forma séria, hierática, como merece o hit supremo do ianque carioca Morris Albert. A outra, “Come As You Are”, desnuda a relação esquizofrênica que Caetano Veloso mantém com a banda de Kurt Cobain. Às vezes, o Nirvana “é um lixo, se comparado a Ivan Lins”. Às vezes, é o último sopro de renovação experimentado pelo rock. A julgar pela versão contida em A Foreign Sound, Caetano estava naqueles dias em que acreditava piamente na primeira opção. Fica a sugestão para que, caso seja tramado um Volume 2, ele não deixe de incluir “Longview”, do Green Day, e “Hey Ya”, do Outkast, que também renderiam discussões proctológicas acerca da integridade artística do projeto.

A especulação começou já na data marcada para apresentar a obra-prima à imprensa: 1º de abril, 40º aniversário do golpe de 1964 e dia em que fazer os outros de trouxa é incentivado pelo calendário. Caetano Veloso poderia pregar que o poder e a beleza da música são superiores à política cretina da Casa Branca; que sua mania de ser dissonante já derrubara patrulhas ideológicas no passado; que acha Donald Rumsfeld tão lindo quanto Bin Laden. Mas não. Coerente com a folhinha, lembrou que, em uma época de anti-americanização por todo o globo, ele estava remando contra a corrente mais uma vez - embora há mais de 30 anos a História não registre movimentos seus em direção oposta ao establishment.

Um conhecido jornalista da facção anfetamínico-eletrônica deu-se ao trabalho de calcular a centimetragem que os quatro principais jornais do País costumam destinar à Semana Caetano Veloso. Multiplicando o resultado pela tiragem desses mesmos jornais, chegou a um número fabuloso: com a quantidade de papel gasta para falar que o senhor Lavigne é o ser humano mais maravilhoso do mundo (depois de Morrissey, claro), daria para imprimir cerca de 120 mil cartilhas escolares para a população carente de Barra do Guabiraba, no agreste pernambucano. Essa coluna vem acrescentar mais exemplares à conta perversa.

11.2.04

O dia em que Tiazinha pintou na Bizz

Émerson Gasperin

Sem máscara e com uma saia de oncinha, Tiazinha pintou na Bizz para promover sua carreira de estrela do roque - aliás, o disco dela tem uma versão sensacional de "Rock and Roll All Nite", do Kiss ("Eu quero rock and roll all nite, quero dançar com você", diz o refrão). O louco era que nenhum dos caras da banda dela a chamava de Tiazinha, e sim de Suzana. "Quero abandonar essa personagem, sei dançar e cantar", justificava a artista. Logo a notícia de que Tiazinha estava entre nós espalhou-se pelo prédio da editora. Os boys se acotovelavam na porta da redação para ver, farejar, tocar a estrela. Do nada, surgiu uma máquina polaróide da redação vizinha. Uêba, fotos! Resolvi organizar a bagaça. Mandei os manos ficarem em fila e, um a um, eles entravam na redação, pegavam seu autógrafo, tiravam um retrato com Tiazinha e iam embora. O processo funcionou até que um deles chegou com a Playboy com ela na capa. Normal, não era o primeiro a exigir o jamegão da popstar sobre as curvas estampadas na revista. O constrangedor foi que, na maior desfaçatez, o gurizão abriu na página em que aparece a xiranha da cidadã em superclose e lascou: "Aí ó, Su, assinaqui", apontando para os grandes lábios da modelo. A bagunça que reinava no ambiente parou. "Su" olhou em volta sem saber se achava graça, se ficava ofendida ou se prosseguia sua tarde de autógrafos como se não houvesse acontecido nada. Cinco segundos de silêncio total pareceram uma eternidade. Para (tentar) aliviar a tensão, falei para a manada: "Que cabreirice é essa? Tudé arte, né, Suzana?". Aliviada, Tiazinha assentiu com um sorriso, assinou a foto (não no lugar que o boy queria, e sim em cima da virilha) e a programação transcorreu sem sobressaltos. Mas não apareceu mais ninguém com revista na mão para ela assinar.
(por Émerson Gasperin)

9.1.04

O reveillón de Marques Casara

Saí de Floripa no meio da tarde e fui dormir em Morretes, a 50 quilômetros de Curitiba, algo do tipo "entre o mar e a montanha", três mil habitantes.

passei a virada de ano no alto da torre da igreja, em companhia de um simpático corcunda com problemas neurológicos, responsável por badalar o sino no momento exato da virada para 2004.

Homem de poucas palavras.

Entre 11 horas e meia noite tentei estabelecer um diálogo racional com ele, o que não consegui. Quando faltava dez para a meia noite o homem começou a ficar agitado. Andava de um lado para o outro, nervoso.

Eu e minha mulher éramos os únicos turistas no lugar. O homem agitava os braços e apontava para o alto da Igreja. "Vai pular", pensei.

A quatro minutos do novo ano o corcunda já estava fora de si. Balbuciava palavras esquisitas e apontava para o alto da Igreja.
Até que abriu uma porta lateral. Revelou-se uma escada de madeira velha e instável.
o Homem suava e agitava os braços em frente a escada.
___ "Está nos chamando" - comentei.
___ "Vai lá. Tô bem, aqui mesmo" - disse minha mulher.
___ "Vamos! Tá nos chamando para subir na torre".

E eis que a dois minutos do momento final subíamos a escada, aos tropeções. O corcunda gesticulava e pronunciava palavras só dele. A escada rangia. Nos degraus, imagens de santos, potes e velas cobertas de sujeira. Das paredes sem pintura vertia uma água enferrujada.

Ao chegarmos no alto da torre vimos a cidade iluminada pelas lâmpadas de natal.

Duas cordas pendiam da cúpula escura que guardava os sinos, alguns metros acima.

O corcunda enrolou uma corda em cada braço, olhou para o fosso da torre e projetou-se no vazio.

Os sinos responderam imediatamente. O corcunda sacolejava no buraco da torre. Os sinos gritavam o nascer de 2004.

o homem tinha uma impressionante habilidade para dar a cada sino uma cadência particular.

Quando tudo ficou em silêncio o homem desenrolou as cordas dos braços e limpou o suor da testa. Não disse nada. Desceu a escada, trancou a porta e caminhou em direção a uma rua escura. Vai pra casa, pensei.

Sentei na escadaria da igreja e fiquei com a imagem do corcunda. Quando ele parou de tocar os sinos, livrou-se das cordas e olhou nos meus olhos de um jeito que nunca vou esquecer. Percebi que aquele homem entendia o significado da vida. Queria ser como ele.

(Por Marques Casara)