11.12.03

Manhã de sol I
Por Nilva Bianco


A rua reflete luz
amarela, quente e cheirosa.
A luz escorre pelas ?rvores,
pelas casas, desce a ladeira
e vai se derramar l? no mar.
Os braços compridos da luz
sem cerimônia
entram no meu quarto
varrem os restos
de escurid?o e fossa.
Tocam meus cabelos,
lambem meus olhos,
penetram meus sonhos.
Desperto.

19.11.03

O crepúsculo nem tão festivo da esquerda

Por Émerson Gasperin

Parecia uma boa idéia. Realizar a palestra com o histórico intelectual de esquerda em um bar, habitat natural das conspirações festivas que ele integrara. A euforia causada pelo álcool imprimiria um tom descontraído à conversa e, com sorte, estimularia o convidado ilustre a revelar inconfidências que não poupariam nem seus antigos sócios no monopólio da resistência. Jornalistas de ontem, hoje e amanhã lotariam as dependências para ouvir daquele senhor um relato impressionante sobre o período verde-oliva do Brasil, enquanto bebericavam algo e conferiam as silhuetas das jovens que flanavam pelo local. No mínimo, seria mais divertido do que ler os livros de Elio Gaspari. Correu tudo conforme o combinado. Ou seja, deu tudo errado.

Ultrapassando as expectativas etílicas a seu respeito, o histórico intelectual já chegou de porre. Havia passado a tarde inteira e o começo da noite em um boteco regando o verbo e alimentando sua lenda pessoal. Às 11, hora marcada para o compromisso, sua dicção estava mais embaralhada do que seu raciocínio. Até aí, nada que empanasse o folclore. A disputa pela atenção enfrentaria obstáculos mais graves: a abundância de espécimes felinas mais interessantes que o palestrante e o retorno ao Brasil de um colega que ficou 14 meses viajando pela parte do planeta que a administração Bush pretende transformar em uma gigantesca quadra de basquete. De repente, escutar as últimas de Cabul com um olho na estagiária ao lado seria mais útil à profissão do que descobrir métodos para driblar a Censura.

Contra o lendário subversivo, o colega tinha a seu favor todo o mistério do Islã e a cumplicidade de seus velhos conhecidos. Para arrematar, não se entendia nem escutava nada do que o tiozinho tentava falar, salvo o movimento de perdigotos em direção ao microfone. Não demorou muito para se perceber de onde viriam as revelações surpreendentes. O colega contava seu relacionamento com o Taleban ("é um movimento gay" ), a difícil sobrevivência em um ambiente de guerrilha ("pelo menos, o cigarro é barato" ) e o rigor das muçulmanas ("não interagi com nenhuma" ). À guisa de lembrança, sacou uma burca, medalhas alusivas à ocupação soviética, uma bandeira vermelha com o perfil de Lênin e um item que imediatamente se tornou objeto de culto e adoração: uma nota de 250 dinares com a efígie de Saddam Hussein, contrabandeada por soldados americanos.

Era novidade demais diante dos lugares comuns que o convidado tinha para expor. Inconscientemente ou não, ele reconheceu a batalha pelos holofotes como perdida e levantou-se, acometido por um ímpeto urinário. Acompanhado por um chargista (seu fã), dirigiu-se ao único banheiro do local. Ocupado. O chargista bateu na porta alertando para a emergência da situação, sem resposta. Então o intelectual declarou com a língua enrolada: "Não vai mais ter palestra nenhuma" . E baixou o olhar. A mancha escura em sua calça cáqui reproduzia o mapa do Chile, um filete que ia da virilha até a canela. O chargista ainda alegou que, se derrubasse cerveja em sua roupa, ninguém ia notar nada. Mas o clima - ou a atmosfera - já estava irremediavelmente comprometido. O sonho acabara.

Quase ninguém acusou a retirada do intelectual. Humilhado, o veterano de grandes causas perdidas, exemplo de valentia na sala de tortura e ícone da luta pela liberdade, voltou para o hotel sozinho, tendo de convencer um taxista a levá-lo naquele estado. Na saída, ainda foi interpelado por outro admirador: "Oi, sempre me inspirei em seu trabalho e..." "Pô, vocês aqui são f..." , interrompeu o prócer da imprensa combativa, antes de evaporar. Lá dentro, na mesa do fundo, o colega continuava com o ibope alto devido à milonga afegã, sem se importar com o destino de sua cédula de dinar. No banheiro, alheios ao drama nefrológico do intelectual, dois amigos do viajante faziam o que nem todo o poderio militar do Pentágono conseguiu: deixar o ditador iraquiano de cabelos brancos.

(por Emerson Gasperin)

3.10.03

teste

31.3.03

Coca-cola e sangue (2)

Emerson Gasperin

Também tenho uma lembrança de Coca-cola e sangue.

Houve um tempo em que a maior embalagem de Coca-cola era a de 1 litro. Vinha numa garrafa de vidro grosso, com tampinha que precisava de um abridor para ser removida. Foi subindo as escadas do prédio em que morava com uma dessas na mão que escorreguei e caí. A cicatriz do corte, que quase amputou meu dedo médio, persiste até hoje. Acidentes à parte, o fato é que o litrão era suficiente para a família inteira. Feita a refeição, todo mundo tomava o seu copinho e arrotava satisfeito. Conforme a promoção, ainda se guardava a tampinha ("caquinho") para completar o Bingola Disney. Mas mudaram o nosso hábito - e tentar entender quando, por quê e como isso aconteceu é o enigma que desafia as Novas Gerações.

Se a memória não falha, surgiu a embalagem de 1,25 litro, ainda de vidro. Depois veio o mundo maravilhoso das pets: 600 mls, 2 litros e o litrão unitário. O vidro sumiu (que maravilha é achar bares que insistem em vender garrafinhas de 282 mls), os filhos não cortaram mais os dedos. O abridor, coitado, caiu no ostracismo, bem como simpatias para que o gás do resto que ia parar na geladeira não escapasse (lá em casa, a mania era colocar uma colherzinha no gargalo). Bastaria desatarraxar a tampinha para liberar o acesso àquele rio preto e melado. Com o desejo saciado, o freguês enroscaria a tampinha novamente e garantiria futuros copos gaseificados para escoar a digestão.

Pois o futuro chegou e o mais intrigante nem é que a tal novidade tecnológica continua deixando o gás escapar. A questão é: por que antes o litrão dava para pai, mãe e três fihos, e hoje dois litros são poucos para uma refeição de um simples casal? É um plano da Coca para dominar a Terra. Como qualquer candidato a revolucionário deve saber, a água é o petróleo do século 21. Estudos afirmam que o planeta tem reservas suficientes para durar até 2023. E, pouco a pouco, a multinacional dos refrigerantes estaria adquirindo os mananciais existentes.

A idéia é que,quando a água faltar, o líquido que a gente vai querer beber para matar a sede será Coca-cola. O terrorismo midiático acerca do iminente esgotamento das reservas potáveis é patrocinado pela própria Coca-cola, ávida para colocar sua estratégia em prática. Em resumo, ficaremos todos dependentes da bebida, se não pelo seu sabor, por ser a única opção no mercado e por, inconscientemente, estarem nos obrigando a tomar quantidades crescentes para atingir a satisfação. Pode ver, já tem até uma embalagem de 2,5 litros.

O cenário é assustador. Pessoas necessitando de Coca-cola em doses cavalares, e a companhia lançando embalagens maiores. Chegará um ponto em que a imagem de senhoras pelas ruas arrastando garrafões pretos de 20 litros (também pet) vai se transformar em corriqueira. Uma geração marcada por problemas estomacais e, pelo esforço em transportar os "contêineres" de Coca para suas casas, por lesões irreversíveis na coluna.

O problema do gás que escapa, esse continua insolúvel - mas toda vez que olho para a cicatriz que enfeia minha mão, lembro quanto o colonialismo pode ser perigoso...

(por Emerson Gasperin)

28.3.03

Coca-cola e sangue
Josemar Sehnen, sobre o boicote à coca-cola:

Eu tiro de letra esse lance de eliminar a coca-cola do cardápio. Pra mim, Coca-cola e sangue, sempre estiveram relacionados. A vida não era fácil quando pequeno lá em São Carlos. Pra ter presunto no café da manhã levou um tempo. Iogurte e outras guloseimas só eventualmente e o delicioso liquido preto só em dias especiais. E aquele domingo era um deles: visita de parente, primos, brincadeiras e churrasco. Já na mesa, todos apostos, papai, do alto do seu poder de decisão disse:
- nego, vai lá no Simon e compra refrigerante.
Já saia correndo com a cabeça borbulhando feito uma garrafa de coca-cola recém aberta, quando ouço atraz de mim:
- dois litros...
Nossa, aquilo...como direi... foi música para meus ouvidos. No caminho, esfuziante e saltitante quase rolei as escadas como que num prenúncio.
Domingo, meio dia, venda fechada. Nada, no entanto, me impediria de levar pra casa aqueles DOIS litros de coca-cola. Nem mesmo o mal humor característico do seu Simon, o dono da venda. Articulado, gritei o nome da filha dele, que tinha a minha idade e com quem brincava nas intermináveis tardes de domingo. Quem apareceu, porém, foi corpulento pai da garota mastigando o almoço.
- Dois litros de coca, disse convicto, sem esperar manifestação do, naquele momento, assustador "seu Simon". Diante da minha convicção, não teve alternativa senão trazer os dois litros geladinhos. água na boca. Abracei as garrafas e disparei. E correndo tudo subi as escadas, um, dois, três, quatro degraus. Do quinto não passei.
Coca-cola e sangue.
(By Josema)

20.3.03

"Talvez amanhã aconteça de pararmos na rua para amarrar os cadarços
Ou quem sabe chova e o guarda-chuva esteja em casa
Agora mesmo Amanda me pediu pra ver Alice no país das Maravilhas
Eu resisti: queria ver as notícias de uma guerra que já me contam há meses
Da qual já se sabe o número de possíveis mortos e vivos
E de mortos-vivos
Mundo das Sete Maravilhas
Amanda está vendo Alice, em seguida deve dormir
Amanhã talvez a guerra já estará em seu primeiro dia
Amanda vai pra escola cedo
Espero não esquecer o guarda-chuvas, nem cair por conta dos sapatos"

Adri


(por Adriane Canan)


16.2.03

Lua cheia, céu claro, temperatura agradável. A madrugada que entra pela varanda tem um hálito misterioso.
O coração bate em compasso. Provavelmente está vivo.
Que fantasmas rondam as marginais? O que dizem teus olhos? O que dizem?
Marchou contra a guerra. Ao final, bebeu uma Coca-Cola e fumou um Marlboro.
Depois, foi ao cinema ver Nêmesis, a bomba da semana, com aquele chato do Data.
Se o Oscar não vem a nós, Caetano vai até ele.
Ai, que saudades do senhor Checov.
Nada como a vida ao ar livre.

(por Marques Casara)

15.2.03

Serviço de Xarjincasa

Frank Maia


10.2.03

Serviço de Xarjincasa do Frank

Xarjincasa

12.1.03

Serviço de Xarjincasa
Frank Maia